Ela era capaz de tudo, apesar de não saber ainda. Movia a casa com seu trabalho operário o dia todo nos 7 dias da semana. Seu nome: Eficácia, mas também não sabia disso. Aliás, desconhecia suficientemente o mundo além-porta da casa, apostando que permanecer ali seria garantia de felicidade.
Deslizava magicamente entre sala, cozinha, quartos, banheiros, quintal, e como uma fada poderosa realizava seu ofício. Se não sabia fazer algo certo, fazia o errado bem feito. Seus filhos só conheciam a limpeza e a organização, já o seu marido tinha uma experiência de infância tão emporcalhada que transformou-se no oposto. Obsessivamente. Portanto, Eficácia era valorizada e disso ela sabia. Na sua honrada função de vidente, adivinhava as necessidades deles antes mesmo de surgirem e habilmente providenciava a realização daqueles desejos. Pouco falava. Seu lugar era o ato.
Hoje, quarta-feira, dia que faz par com a segunda-feira na distribuição das tarefas domésticas, Eficácia deverá lavar o quintal e a cozinha, higienizar os armários, passar as roupas e distribuí-las nos devidos lugares, aspirar o pó e passar pano com desinfetante. Mas parece que hoje não terá quintal: a força do vento dá notícias através do som das árvores que virá tempestade! Está ventando tanto que a lareira inquieta assovia freneticamente ecoando suspense pela casa toda, capturando a atenção dela: dentro da lareira há cinzas de um tempo que ela desconhece, cinzas daquilo que um dia foi lenha, do que um dia foi um inverno com os familiares. Restos de um tempo sem memórias. Onde estive? Há somente um estranhamento. Ajoelha-se – aborrecida e inconformada – para retirar a grade de proteção da lareira e recolher aquelas cinzas. Onde estive? E uma lufada de vento de uma só vez borrifa com força aqueles restos em sua cara. Restos de memórias que não tem, as que têm são de uma escrava esbaforida que sempre fora para eles, para ela. As cinzas descobrem sua servidão e espalham-se com Eficácia pelo chão. Ela oferecera a todos a liberdade que jamais experimentara. Era capaz de quase tudo. Era. Agora é Escolha.
Fernanda de Santi Pantaleão 